top of page

Filosofia da UFRJ no Banco dos Réus


O professor Wallace de Moraes após o julgamento, agradeceu aos presentes e, emocionado, declarou: "Tentaram ferir minha reputação, destruir minha carreira. Me chamaram de brigão, desqualificado e que sou uma pessoa que gosta de se vitimizar por ser negro. É o argumento que usam quando querem desqualificar um corpo negro na sociedade". Na foto ao lado, os presentes fizeram uma foto para registrar o momento.


Cerca de 50 pessoas – quase que na totalidade alunos, professores – se fizeram presentes na última quinta-feira, dia 06, no Tribunal Regional Federal de Justiça da Segunda Região. Foram para prestar solidariedade ao professor Wallace dos Santos de Moraes, no primeiro dia do julgamento de um caso polêmico envolvendo professores do IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. O Instituto foi parar no “banco dos réus”, pois Wallace Moraes que é cientista político, historiador e professor do departamento, em reunião virtual, ocorrida em 11 de agosto de 2021, foi impedido de participar de uma banca que iria escolher um novo professor adjunto para o instituto. Se mostrando extremamente indignado o professor entendeu ter sofrido discriminação de cunho racista em seu afastamento.

O fato se tornou complexo, pois Wallace era o único titular especialista no assunto, foi indicado por um colegiado do próprio Instituto e com direitos legais de compor a banca. Na reunião, acabou, entretanto, excluído por outros três professores com os argumentos de que seria 'brigão', 'desequilibrado', e ‘que não teria equilíbrio emocional para estar ali’. Não bastasse isso, foi acusado de “gostar de se vitimizar constantemente por ser negro”. Se sentindo desrespeitado e constrangido, o professor não teve outra alternativa, senão entrar com uma representação administrativa, solicitando que a universidade abrisse sindicância para apurar o caso.

Juiz quer mais detalhes do caso

Depois de quase dois anos de espera, finalmente nesta quinta-feira 06, o julgamento teve início. Após ouvir atentamente os advogados e testemunhas, o juiz Adriano Saldanha Gomes de Oliveira decidiu conceder mais 15 dias para que as partes juntem outras provas ao processo. Após o encerramento da sessão, ainda no corredor do Tribunal, muito emocionado, Wallace de Moraes fez questão de agradecer aos presentes e disse que o que tentaram fazer contra ele foi um linchamento moral e que viu um cunho extremamente racista em todo o episódio:

- Agradeço a todos vocês que vieram até aqui. Essa luta não é minha é de todos nós. Tenho filhos, amigos e me senti extremamente mal com as acusações de ser um 'brigão', 'emocionamente desequilibrado'. Pior que isso: para justificar as acusações e ofensas, tiveram a coragem de afirmar que eu me 'vitimizava por ser uma pessoa negra'. O que essas pessoas tentaram, na verdade, foi destruir minha reputação. A pessoa cria mecanismos de me tirar de uma banca da qual eu tinha direito legal de participar, consegue a adesão de dois de seus colegas e, já prevendo a repercussão do que isso poderia causar tenta se justificar afirmando que sou uma pessoa que gosto de se vitimizar por ser negro. Esse é um argumento muito subjetivo que tem se tornado recorrente em uma parcela da sociedade. São pessoas que cometem um ato racista e para se justificar tentam culpabilizar o outro argumentando que os negros gostam de se vitimizar.


Só se pode filosofar em Alemão

Talvez toda polêmica seja em razão de Wallace dos Santos ser defensor de um processo de transformação no ensino da universidade brasileira que é comprovadamente eurocentrado. Na verdade, ele faz parte de um corrente cada vez maior de pensadores de várias universidades e das mais diferentes áreas, não só no Brasil, mas também em universidades de países da África que defendem uma descolonização em relação ao pensamento europeu.

Entendem esses estudiosos de que é preciso estudarmos cada vez mais o pensamento dos países colonizados. Acreditam que o pensamento de estudiosos dos países colonizadores não dão conta da realidade, das singularidades e particularidades dos países colonizados. Essa corrente, que tenta pensar fora dessa caixinha colonizadora sofre grande resistência de uma parcela da Academia que teme perder espaço e prestígio. Com o estudo de uma filosofia afro-brasileira a Academia, um reduto historicamente branco, cairá por terra o argumento daqueles que acreditam que só é possível se filosofar em alemão.

Wallace leva tão a sério a questão que decidiu que caso ganhe o processo e tenha alguma compensação financeira, irá doar todo o montante para comunidades quilombolas e para ajudar alunos carentes no IFCS:

- Precisamos ter clareza que muitas coisas não precisam ser ditas para serem entendidas. Costumo dizer a os meus alunos que, em nossa sociedade, o negro e o indígena são bem-vindos, desde que obedeçam, que sejam dóceis com seus patrões, seus mandatários. Se você não se submete a esse padrão, as pessoas criam adjetivos para você, como ‘desequilibrado’, ou ‘brigão’ para desqualificá-lo. Isso acontece cotidianamente e frequentemente em nossa sociedade, mas essas pessoas nunca assumem que isso é racismo. Chegaram a dizer que em todo esse episódio não houve racismo e sim "falta de urbanidade"- afirmou.

No belo e requintado prédio do IFCS mais uma polêmica relacionada a questões raciais. Foi no Instituto, que em 2006, um grupo de professores elaborou um documento ao STF se opondo às Politicas de Ações Afirmativas que beneficiariam o ingresso de negros na Universidade.


Um episódio que não é isolado

As questões raciais sempre foram alvos de polêmicas e caminharam pelos corredores do IFCS, um antigo e belo casarão no Largo de São Francisco, no Centro do Rio de Janeiro. Foi dali, que em 2006, foi elaborado e encaminhado ao STF – Supremo Tribunal Federal -, um documento que se opunha às denominadas políticas de Ações Afirmativas e assinada por um grupo de professores que dentre outros argumentos justificavam que "os alunos negros não teriam condições intelectuais de acompanhar os alunos brancos". ou que "estaríamos criando uma Universidade bicolor com pretos e brancos se agredindo". Em protesto a esse documento também foi no IFCS, que saiu um segundo documento mais vigoroso e representativo onde a maioria dos professores defendia a implementação do Sistema de Ações Afirmativas que contemplava as políticas de cotas nas universidades brasileiras.

O episódio envolvendo o professor Wallace, apesar do ter ocorrido em 2021, no auge da pandemia, e com as pessoas isoladas, trouxe na comunidade acadêmica um pouco dessas lembranças da rejeição às políticas que pudessem diminuir as desigualdades. Tanto assim, que o ocorrido gerou vários protestos por parte de alunos e professores. Nas redes sociais - o novo território dos protestos - circularam várias manifestações, dentre deles, um abaixo assinado criado pelo Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ que solicitava que a universidade abrisse em caráter de urgência uma apuração interna para apurar situação de discriminação racial contra o professor Wallace dos Santos de Moraes. Em menos de uma semana, o documento contava com mais de 2 mil assinaturas.

. O documento questionava os pronunciamentos de alguns professores do Departamento de Filosofia, alguns deles responsáveis pelo afastamento do professor da banca. Eles discordavam que tenha ocorrido um ato de discriminação em relação ao professor que é único negro do Departamento. O documento era claro em seu questionamento: “ Por que o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca?

Uma nota assinada na ocasião pelos professores Josué Medeiros, coordenador da banca na ocasião, e também por Pedro Luiz Lima, Thais Aguiar, Daniela Mussi, Jorge Chaloub e Mayra Goulart, nega que tenha havido racismo, mas admitem a UFRJ como um todo, e, em particular o IFCS são atravessados por dinâmicas e relações de racismo estrutural'.

Diz a nota:

“Reafirmamos um compromisso com uma agenda institucional antirracista na UFRJ, no IFCS e no DCP. Agenda com a qual buscamos e buscaremos sempre colaborar. Entendemos, também, que a imputação de atos racistas individuais é uma acusação de outra ordem, de extrema gravidade para a vida da universidade e do nosso departamento. Os que estavam presentes na reunião consideram que a descrição dos eventos contida na petição (abaixo-assinado) não é minimamente condizente com a realidade dos fatos", diz a nota, que também pede que a UFRJ faça uma apuração interna sobre os fatos ocorridos na reunião”.

O Babalawô Ivanir dos Santos, professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e Conselheiro CEAP - Centro de Articulações de Populações Marginalizadas - afirma que a discriminação contra Wallace de Moraes configura o que podemos denominar de 'Racismo à Brasileira':

- Precisamos compreender que uma das formas mais perversas do 'racismo à brasileira' em nossa sociedade é tentar infantilizar, desclassificar e desmoralizar a capacidade das pessoas negras nos espaço de poder. E não podemos deixar de pontuar que as universidade também são espaços de poder. E foi, por muito tempo, nesses espaços que nós, pessoas negras, fomos objetificados e classificados como seres inferiores. Ao entrarmos nesses espaços de poder, além de 'balançar' as estruturas hegemônicas que tentam nos condicionar ao fracasso, começamos a reescrever as nossas histórias a partir das nossas experiências e também a pautar as nossas lutas contra todas as formas de opressão – afirmou.



Comments


bottom of page